terça-feira, 25 de março de 2014

FLORIANÓPOLIS INTEGRA PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL SUL-AMERICANO DA CULTURA ÁRABE

Florianópolis, 25 de março de 2014

Professor Renatho Costa fará palestra na UFSC sobre eventos no Oriente Médio; Na Fundação Badesc acontece mostra de cinema árabe

Edinara Kley
FLORIANÓPOLIS

Os efeitos da influência ocidental no Oriente Médio, desde a dissolução do Império Otomano no começo do século 20, até a situação atual da região da Ásia Ocidental marcada por permanente conflito, serão tratados durante o Festival Sul-Americano de Cultura Árabe. O evento acontece em março e comemora a imigração árabe no Brasil em 17 cidades brasileiras. Em Florianópolis, maior comunidade islâmica de Santa Catarina, haverá palestra, debates e festival de cinema.

                                                                                                   Rosane Lima/ND
Renatho Costa palestra sobre os reflexos da dominação ocidental

Para falar dos reflexos da dominação da França e Grã-Bretanha, nos estados e países árabes e islâmicos, a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) traz o professor Renatho Costa, do Departamento de Relações Internacionais da Unipampa (Universidade do Pampa). Sua palestra “Oriente Médio em Ebulição” acontece hoje, na instituição.

A proposta de Renatho Costa, que morou no Irã para concluir sua tese de mestrado, é uma reflexão sobre os acontecimentos atuais, centrados em guerras e movimentos políticos, como reflexos da dominação ocidental iniciada há cem anos. A autoridade estrangeira, de acordo com o professor, acabou criando estados artificiais comandados por líderes desalinhados com os interesses da população.

A interferência de países ocidentais em um regime no qual historicamente nunca houve uma democracia é vista com preocupação pelo estudioso. “O modelo democrático que nós queremos não corresponde às expectativas das comunidades que vivem lá. Se fala em democracia, mas quando o grupo eleito não é o mesmo apoiado pelo ocidente, encontra-se uma maneira de retirá-lo do poder, como o caso do Egito, onde houve golpe de estado em 2013”, comenta.

Outras consequencias da intervenção estrangeira, enumera ele, foram a criação de grupos islamitas e o desencadeamento de movimentos populares como a Primavera Árabe, difundida em 2010. “A região convive com uma crise constante. Além de ser objeto de interesse econômico e geopolítico das potências que sucederam franceses e britânicos é palco de guerras civis e entre estados”, reitera.

A relação de Irã e Estados Unidos, que vivem um momento de flexibilização para negociações da tecnologia nuclear da República Islâmica, e a situação da Palestina também serão debatidos. “O Oriente médio não pode ser tratado de forma homogênea. É uma região cheia de particularidades e diferenças étnicas e religiosas. Penso que a maneira mais eficaz do ocidente ajudar é se afastar desse processo de democratização é deixar que o povo faça suas escolhas”, observa.

Comunidade islâmica no Brasil
                                                                                                                        Rosane Lima/ND
Palestino Khader Othman (à esquerda) vive há 40 anos em Florianópolis

Com a maior comunidade árabe do Estado, Florianópolis abriga mais de cem famílias de origem palestina e libanesa. A intensificação dos conflitos no Oriente Médio, no começo de 2014, também trouxe à cidade pequenos grupos de sírios e egípcios. Além da Capital catarinense, Foz do Iguaçu, no Paraná, e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, são os refúgios do Sul mais procurados pelos imigrantes.

Representante dos refugiados árabes que cruzaram continentes e aportaram em território catarinense, o comerciante Khader Othman vive há 40 anos na Capital e diz se sentir quase um brasileiro. “A gente chegou há muito tempo. Nossa origem é palestina e nossas ligações com o Oriente são grandes, mas aqui é nosso lugar”, afirma.

As relações estreitas entre Brasil e Oriente Médio, lembra Renatho Costa, estão entre as alternativas de interferência estrangeira para pacificação em zonas de conflito. Na última semana o professor participou de um debate no Palácio do Itamaraty, em Brasília, sobre como o país deve se posicionar perante os conflitos.

“Ao acolhê-los, o Brasil acabou, de certa forma, harmonizando essas culturas que mantém contato com sua terra natal. A ideia é utilizar esse respeito que os árabes têm pelo país para intermediar as negociações de paz. Não é simples. Por enquanto existe uma limitação, mas podemos criar condições de conseguir isso”, explica.

Mostra de Cinema Árabe

Quatro filmes, realizados em Marrocos, Palestina, Líbano e Egito nas duas últimas décadas, serão exibidos na Fundação Cultural Badesc entre 25 e 28 de março. A Mostra de Cinema Árabe acontece em parceria com o projeto Presença Árabe no Brasil, e traz três ficções e um documentário que tratam da cotidiano, de personagens, e da guerra. Na abertura, o ex-embaixador da Palestina no México, o professor da Unisul Fawzi El-Mashi vai falar sobre os filmes selecionados e as questões do mundo árabe.

Serviço

O quê: Palestra: “Oriente médio em ebulição – Reflexo de um século de atuação efetiva do Ocidente”, com Renatho Costa
Quando: Dia 25/3, 19h30
Onde: Auditório do Centro de Filosofias e Ciências Humanas da UFSC, Rua Roberto Sampaio Gonzaga, campus universitário, Trindade, Florianópolis
Quanto: Gratuito

O quê: Mostra de Cinema Árabe
Quando: 25 a 28/3, às 19h
Onde: Fundação Cultural Badesc, rua Visconde de Ouro Preto, 216, Centro, Florianópolis, tel. 3224-8846
Quanto: Gratuito

quinta-feira, 20 de março de 2014

ORIENTE MÉDIO EM EBULIÇÃO - PALESTRA UFSC


Leia mais em:

DIÁLOGOS SOBRE A POLÍTICA EXTERNA - TEMA ORIENTE MÉDIO


Vários segmentos da sociedade participaram da Mesa sobre Oriente Médio. Dentre os quais pode-se destacar acadêmicos como Arlene Clemesha, Salem Nasser, Paulo Hilu, Renatho Costa, Guilherme Casarões, Michel Gherman, além de representantes da Comunidade Judaica, Mídia, Petrobrás, Câmara de Comércio Árabe-brasileira, etc. 

Segue o artigo apresentado no evento:

DA “política entre AS Nações” ao “Diálogo entre as Civilizações”

Renatho Costa
Um Sistema em Configuração          

Na década de 1940, ainda sob os efeitos do encerramento da Segunda Grande Guerra, Hans Morgenthau, em sua obra “Política entre as Nações”, apontou para o que seria o modelo de atuação dos Estados e suas prioridades frente à reconfiguração do sistema internacional. De modo enfático, o estadocentrismo se reafirmava num mundo que passamos a perceber apenas através de dicotomias como “o branco e o preto”, “o bom e o mau”, “o socialista e o capitalista”, etc. Reinara, desse modo, a Bipolaridade, ou seja, um mundo que, devido à sua “simplicidade” – sob a perspectiva estrutural –, tinha no poderio militar o equilíbrio, e, aqueles que não conseguiam balancear seu poder estavam fora das grandes decisões.

No plano internacional, não seria exagero dizer que a própria estrutura das relações internacionais – tal como refletida em instituições políticas, procedimentos diplomáticos e ajustes legais – vem tendendo a distanciar-se da realidade política internacional, e a tornar-se irrelevante para a mesma. Enquanto a primeira presume a “igualdade soberana” de todas as nações, a segunda é dominada por uma extrema desigualdade dessas mesmas nações, duas das quais são chamadas de superpotências porque dispõem de um poder sem precedentes de destruição total, e muitas outras são intituladas de “miniestados”, devido ao seu minúsculo poder, se comparado a dos tradicionais estados-nações. (MORGENTHAU, 2003, p. 12)

            Neste período, que convencionou-se chamar de Guerra Fria, a alta política reinava absoluta e pouco espaço havia para atores do então Terceiro Mundo. Inclusive, para muitos teóricos que procuravam traçar análises geopolíticas, o Sul era percebido apenas como um apêndice para as potências, tal o tensionamento Leste-Oeste. Nesse sentido, regiões como o Oriente Médio tinham apenas importância pertinente às suas potencialidades, ou seja, como poderiam atender à demanda das superpotências.
            De fato, este modus operandi não foi característico das potências da Guerra Fria, no final do século XIX, França e Grã-Bretanha contribuíram para a desestruturação do Império Otomano e, já no século XX, com a assinatura do Acordo Sykes-Picot (1916), disputaram seu espólio. Desse modo, o que se tornou o Oriente Médio também pode ser entendido como o resultado da ingerência do Ocidente na região, e, consequentemente, da criação de Estados que nem sempre possuíam identidade própria, mas que suas lideranças mantinham fidelidade aos governos francês e britânico.
            A atuação das potências na região do Oriente Médio não difere muito da estratégia adotada em outras regiões do globo, contudo, o volume de petróleo lá presente fez com que se tornasse um maior atrativo e espaço para disputas mais intensas. Também, há de se ressaltar que esta região fazia parte do “Grande Jogo”, no qual britânicos e russos travavam uma disputa geopolítica pela Ásia.
            Assim, com o enfraquecimento das antigas potências e surgimento de Estados Unidos e União Soviética como superpotências, no pós-II Guerra Mundial, a percepção que havia do Oriente Médio não sofreu grandes alterações e a disputa perdurou, apenas com o elemento ideológico agregado. E, é sob esta perspectiva que Morgenthau estabelece as diretrizes do Realismo nas Relações Internacionais, ou seja, um espaço seleto para Estados que tenham condições de balancear poder entre si.
            Neste cenário, como exposto anteriormente, os países do Sul não tinham função relevante e eram mantidos sob a égide das superpotências. A Política Externa destes países muitas vezes estava vinculada à estadunidense ou soviética, ou quando isso não acontecia, sua atuação se dava de modo restrito no qual o caráter comercial prevalecia.
            No entanto, os pressupostos do Realismo deixaram de fornecer ferramentas suficientes para explicar as transformações que o sistema internacional sofreu com a inserção de novos atores. Assim, Kenneth Waltz (1979) passou a analisar a atuação dos Estados a partir de uma estrutura maior, qual seja, o Sistema Internacional. Como resultado, as teorias sistêmicas ganham espaço nas Relações Internacionais, pois a ênfase dada está no posicionamento que os atores ocupam no sistema internacional e este pode variar.

Os agentes e as agências actuam; o sistema como um todo, não. Mas as acções dos agentes e das agências são afectadas pela estrutura do sistema. Em si mesma, uma estrutura não leva directamente a uma resultante e não a outra. A estrutura afecta o comportamento dentro do sistema, mas fá-lo indirectamente. Os efeitos são produzidos de duas formas: através da socialização dos actores e através da competição entre eles. Estes dois importantes processos ocorrem em relações internacionais como ocorrem em qualquer tipo de sociedades. (WALTZ, 2002, p. 107)

Ainda, no processo de análise das transformações ocorridas no Sistema Internacional, a perspectiva da Interdependência Complexa (1977), proposta por Joseph Nye e Robert Keohane, acaba enfatizando o nível de dependência mútua dos atores – aqui não mais restrito aos Estados – e sua atuação num sistema que não estaria pautado apenas pelo poderio militar. Os liames da interdependência dar-se-iam através de múltiplos canais de comunicação e negociação entre os atores e não necessariamente através de conexões formalmente estabelecidas pela diplomacia.
As relações de interdependência, por vezes, ocorrem num ambiente pautado por regras, normas e procedimentos que servem para regular o comportamento dos atores e controlá-los, estrutura essa que Nye e Keohane classificaram como regimes. Embora o Direito Internacional e as Organizações Internacionais sejam, em geral, frágeis em áreas específicas, os regimes – de modo formal ou informa – acabam obtendo influência substancial. Esses regimes, por sua vez, se configuram nos fatores imediatos entre a estrutura de poder do sistema internacional e a capacidade de negociação político-econômica interna, mas também são nítidos produtos da estrutura de poder do sistema. Por isso que mudanças graduais ou bruscas de regimes são importantes na interpretação de sua influência. (KEOHANE; NYE, 1977)
Assim, Nye e Keohane, com a interdependência complexa, estabelecem que as inter-relações seriam a chave para a preservação da estabilidade, haja vista o nível de interação dos atores não mais proporcionar vantagens para a tradicional opção belicista. No entanto, a capacidade militar não é deixada de lado, apenas, os atores que até então não "participavam do jogo", conseguiram expressar sua importância. E, neste nível de complexidade do sistema, outras características ganham destaque e Estados que sequer tinham espaço para se manifestar, buscam atuar tanto no âmbito regional quanto internacional.


domingo, 10 de novembro de 2013

IRÃ – DA REVOLUÇÃO AO SEU ATUAL PAPEL NO SISTEMA INTERNACIONAL

E-mail: faap.cieri@gmail.com 

UM MUNDO EM CONVULSÃO


Informações: http://mundoemconvulsao.fflch.usp.br/node/1

MUITO ALÉM DE UMA GUERRA

Revista Carta na Escola, Edição nº 80, outubro/2013

Por que os ventos das revoltas árabes não sopraram 
a ponto de depor Bashar al-Assad e qual é a lógica 
de poder nessa região

Por Renatho Costa, internacionalista, historiador, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pampa — publicado na edição 80, de outubro de 2013
Em dezembro de 2010, os países do Norte da África e do Oriente Médio passaram a vivenciar um processo de amplas transformações em suas estruturas político-sociais. Apesar de deterem características específicas quanto ao modelo de governo, prevalecia a centralização de poder nas mãos de uma pessoa ou de um grupo. E, com o movimento revolucionário que teve início na Tunísia e depois se alastrou pela Líbia, Egito, Iêmen e Jordânia, entre outros Estados, níveis distintos de mudanças foram alcançados.

Com o desencadear da Primavera Árabe, muitos grupos sociais encontraram espaço para manifestação e, com o suporte da comunidade internacional, puderam depor lideranças ditatoriais que comandavam os países há décadas. O tão alardeado “efeito dominó” fez ditaduras caírem num curto prazo, no entanto, em alguns países nem sequer os ventos da Primavera conseguiram soprar ou, quando tiveram essa oportunidade, nem sempre geraram transformações expressivas. Diante dessa disparidade de resultados da Primavera Árabe, o questionamento que perdura diz respeito à razão pela qual a Síria se encontra imersa numa guerra que, sob muitos aspectos, vem dizimando o Estado e a população. E, mais, tem como espectadores privilegiados os demais países e organizações internacionais que não se entendem quanto às medidas a ser adotadas.

Para entendermos o porquê de a Síria não ter conseguido depor seu governante com a mesma facilidade que o Egito, Tunísia e Líbia tiveram, é importante nos atermos em como o Estado sírio foi criado e o papel que passou a desempenhar no Oriente Médio.

O Oriente Médio, segundo a Europa
A Síria, como Estado Nacional e com as dimensões territoriais de hoje, é uma criação ocidental resultante das negociações entre franceses e ingleses sobre o destino do Império Otomano no fim da Primeira Guerra Mundial (quadro à pág. 31). Em razão do Acordo Sykes-Picot, de 1914, depois referendado pela Conferência de San Remo (1920) e pela Liga das Nações, a França passou a “tutelar” a Síria e o Líbano com base no sistema de Mandatos. A própria divisão dos Estados não levou em consideração aspectos histórico-culturais, mas apenas interesses geopolíticos das potências.
Com a independência, em 1946, a Síria passou a buscar a liderança no mundo árabe e logo se envolveu na guerra entre palestinos e israelenses de 1948. A derrota dos árabes desencadeou ressentimentos e perdas territoriais para os palestinos. Na sequência, os sírios ainda entraram em guerra contra Israel em 1967 (Guerra dos Seis Dias), na qual perderam o território conhecido como Colinas de Golã, e em 1973 (Guerra do Yom Kippur), mas em ambas foram derrotados.

A tensão vivenciada pelos países do Oriente Médio refletia, em muitos aspectos, o conflito entre EUA e URSS, uma vez que ambos necessitavam controlar os países produtores de petróleo e, para tanto, interferir na geopolítica local para atender a seus interesses. Como Israel contava com o apoio dos EUA, assim como o Irã (até 1979, quando ocorreu a Revolução Islâmica que depôs o xá Mohammed Reza Pahlevi), a URSS se via obrigada a fortalecer o seu apoio à Síria.

A “proteção” soviética gerou certo conforto para os governantes sírios exercerem sua influência no Oriente Médio e se posicionarem abertamente contra a política dos EUA. Ainda, com a ascensão do partido Baath ao poder, em 1963, houve maior aproximação aos soviéticos, devido à sua ideologia socialista.

Em 1971, depois de muita disputa política interna, Hafez al-Assad, de origem alauí-
ta – um segmento do xiismo –, tornou-se presidente da Síria. Ele conseguiu fazer com que essa minoria religiosa (aproximadamente, 10% da população) controlasse o país formado majoritariamente por sunitas (70%). Tal manobra política foi viabilizada devido ao seu controle das Forças Armadas e à política de modernização econômica que implementou no país, a qual passou a gerar melhora na qualidade de vida da população. Independentemente da estrutura centralizadora do poder, a construção do culto à sua figura fez com que Al-Assad se transformasse numa grande liderança local e no mundo árabe.

Hafez al-Assad nunca compartilhou dos pressupostos da Revolução Islâmica iraniana e, inclusive, tinha receio de que grupos fundamentalistas tentassem alterar a ordem secular do país. No entanto, a aproximação com o Irã teve o nítido propósito de encontrar mais um aliado contra os EUA e Israel. Nesse sentido, o apoio ao Hez-
bollah – organização xiita libanesa – em sua luta contra os israelenses se configurava numa estratégia ideal.

Em 2000, com a morte de Hafez, seu filho Bashar al-Assad assumiu o poder. De certo modo, preservou as diretrizes da política interna, o que foi importante para se legitimar junto à população, pois conseguiu herdar as benesses do culto à imagem que seu pai construiu.

No entanto, o panorama externo já não se apresentava tão favorável à Síria e, em 2001 a situação ficou ainda mais complicada com os atentados às Torres Gêmeas. Inicialmente, George Bush tinha forte interesse em inserir a Síria no “Eixo do Mal”, mas acabou priorizando Irã, Iraque e Coreia do Norte em sua estratégia contra o terrorismo.

Outro evento que pressionou o governo de Bashar foi a forte campanha internacional para que a Síria retirasse suas tropas do Líbano (lá presentes desde 1976) e, para tanto, a ONU baixou uma resolução que exortava todas as Forças Armadas estrangeiras a deixarem o país, sob o risco de represálias. Assim, a Síria retirou-se do Líbano em 2005, mas continuou influindo indiretamente na política interna libanesa.

Já em 2011, diante do cenário de relativa redução do poder de influência sírio na região, a “Primavera Árabe” surgiu como um evento que poderia ser utilizado pelas potências ocidentais no intuito de remover Bashar Al-Assad do poder, uma vez que fragilizaria o Irã e o deixaria mais isolado.
A atuação de Bashar não diferia de outras lideranças regionais. O nível de repressão vivenciado pela população civil síria não era apontado por organizações internacionais como destoante ou preo-
cupante. Ocorre que, diante da oportunidade de depor Bashar, os países ocidentais (partidários dos EUA) estimularam as oposições sírias a agir contra o governo. Sem esse “apoio externo” a repressão do governo teria abafado os “movimentos rebeldes” logo no início de suas manifestações, mas neste caso a mudança da geopolítica estava em jogo, por isso transcorreu de modo distinto.
Assim, os países ocidentais passaram a apoiar indiretamente as milícias que visavam derrubar Bashar. Os “rebeldes”, como são tratados pela mídia, são formados, basicamente, por mercenários de outros países e continuam sendo estimulados e financiados pelas potências ocidentais, exatamente como foi feito pela Otan e pelos EUA na Líbia. Evidentemente que surgiram grupos locais que se opuseram à política de Bashar, mas não de modo a conduzir um levante popular.

Diferentemente da deposição de Kad-
dafi (Líbia), que não contava com apoio externo de potências, tampouco de lideranças do mundo árabe, Bashar Al-Assad possui fortes aliados e sua manutenção no governo significa a preservação da atual geopolítica do Oriente Médio. E, nesse sentido, Rússia e China, com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, inviabilizam qualquer medida que pudesse levar à deposição de Bashar sem que seu sucessor fosse oriundo do mesmo grupo político. O próprio Irã, ainda em 2011, buscou promover a saída de Bashar por alguém ligado ao seu partido, mas essa opção acabou sendo descartada pelos EUA, pois poderia significar uma vitória para Ahmadinejad, então presidente do Irã, e a expansão da influência iraniana na região.

A China também vivencia certa preocupação com o apoio de movimentos populares que busquem derrubar governos que não são democráticos e, nesse sentido, a política externa dos EUA, que promoveu a invasão do Iraque, Afeganistão e agora procura criar mecanismos para fazer o mesmo na Síria, poderia estimular os chineses insatisfeitos com o regime a atuarem de modo semelhante. Essa alteração geopolítica seria muito desfavorável ao governo chinês, ainda mais se for considerado o aumento gradual do controle das reservas de petróleo que os EUA passariam a deter, direta ou indiretamente, com a intervenção nesses países.  Diante desse jogo pela mudança da geopolítica local no intuito de provocar um maior isolamento do Irã, os EUA lançaram mão de mais um argumento para justificar a intervenção: impedir o uso de armas de destruição em massa (ADMs) e violação aos direitos humanos.

Mesmo que não haja a confirmação de que Bashar al-Assad utilizou ADMs, esse argumento tende a ganhar legitimidade em caso de intervenção. E, com a interrupção das negociações pela via diplomática, devido ao impasse entre EUA, Rússia e China, Obama buscaria outros caminhos para impor os interesses dos EUA.

O efeito de uma intervenção na Síria sem o endosso da Rússia e China poderia repercutir em toda a região. Além de atrair o Irã para a guerra, potencializaria o conflito interno com o apoio militar russo, chinês e iraniano ao Exército de Bashar Al-Assad. Poderia expandir a guerra para a Turquia e Israel, neste caso contando com o apoio indireto do Hezbollah.

Devido a esse cenário conflituoso, a Síria transformou-se no mais importante tema da política externa atual. Os próximos lances desse complexo jogo são aguardados com muito anseio e preocupação, pois podem referendar o unilateralismo dos EUA ou reabrir caminhos diplomáticos que ainda não foram explorados completamente.
Em Sala/Relações internacionais

O conflito de interesse de uma política humanitária que pode extrapolar o bem-estar da população
Atividades

1) Pesquise junto às normas do Direito Internacional quais os critérios para intervenções humanitárias.

2) Faça um levantamento histórico e compare essa ação dos Estados Unidos com a intervenção no Iraque, em 2003, que também visava impedir a utilização de arma de destruição de massas.

3) Faça uma pesquisa histórica para 
entender o porquê de a maioria dos 
países do Oriente Médio não possuir governos democráticos.

4) Procure o significado e a diferença dos seguintes termos: Islã, soberania, armas de destruição em massa, geopolítica, revolução, democracia, ditadura.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ENTREVISTA: ESPECIALISTAS COMENTAM CRISE NA SÍRIA

Postado por  on set 19th, 2013 em Mundo.

Os pesquisadores Youssef Cherem e Renatho Costa respondem às principais questões sobre a situação conflitante do país árabe



Caroline Braga
Qual o contexto dos EUA para justificar o posicionamento favorável de Obama a uma intervenção militar na Síria?
Yousseff: Vários elementos políticos dos EUA têm-se mostrado reticentes quanto à perspectiva de uma intervenção militar no conflito sírio, tendo em vista o que aconteceu no Iraque. Lá foram utilizadas justificativas que depois se revelaram enganosas, sobre a necessidade de destruir os arsenais de armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Houve um conflito que se arrastou por anos, em que foram gastos bilhões de dólares e no qual foram perdidas milhares de vidas, e do qual Iraque pena para se recuperar, com uma situação política e securitária instável. No entanto, Obama afirmou várias vezes que o uso de armas químicas ou biológicas seria uma “linha vermelha” que não deveria ser ultrapassada. Mas não há evidências definitivas sobre a culpabilidade do regime no caso dos ataques químicos na Síria. Outro problema, para os opositores da ideia de intervenção, é que não se pode prever o alcance — não é possível saber se ela será realmente limitada, nem rápida, nem se atingirá seus objetivos — que também foram vagamente definidos entre a) dissuadir o uso de armas químicas/biológicas por parte de Asad; b) acabar com a capacidade de Asad de utilizar esse arsenal.
Renatho: A justificativa de Obama muito se assemelha à propositura de Bush para invadir o Iraque em 2003. É importante lembrar de que desde o início dos conflitos na Síria, Obama declarou que o limite de tolerância dos EUA seria o uso de Armas Químicas contra a população. Então, Obama busca o apoio do Congresso suscitando o ideal estadunidense e das vantagens de depor Assad para instaurar um regime no qual o governante esteja alinhando aos EUA, exatamente como ocorre no Iraque e Afeganistão.
O que isso significaria para a imagem de Obama enquanto presidente?
Y: De um lado, a credibilidade: se Obama afirmou, como dito anteriormente, que não seria aceito o uso de armas químicas e biológicas, se ele não agisse suas ameaças perderiam a credibilidade e, portanto, sua força dissuasiva, tanto no presente quanto no futuro. Por outro lado, Obama está receoso quanto a um ataque unilateral, e ansioso por aprovação interna (Congresso) e externa (aliados e ONU). Sua imagem pode se deteriorar em tantos contextos (oposição interna, apoio/popularidade do cidadão americano, aliados na OTAN, sem contar com as respostas e repercussões no Oriente Médio) que se torna uma decisão muito delicada.
R: Se levarmos em consideração as promessas do primeiro mandato de Obama, que começou com seu discurso no Cairo, no qual propunha uma nova maneira de entender o Oriente Médio, temos de concluir que seu governo foi um grande equívoco. De certo modo, conseguiu retirar as tropas do Iraque, como constava em promessa de campanha, mas as riquezas petrolíferas do país estão nas mãos de empresas estrangeiras (direta ou indiretamente), e, a tão aclamada democracia não se sustenta no país. Os interesses econômicos continuam a pautar a atuação estadunidense no Oriente Médio, que é potencializada pelo interesse em ampliar seu raio de influência na região. O segundo mandato de Obama está servido para ratificar o fato de que independentemente do partido que governe os EUA, sua política externa é clara e sofre apenas algumas variações. Então, Obama, para o mundo muçulmano e países da América Latina, África e boa parte da Ásia, acaba tendo sua imagem de “vencedor do Nobel da Paz” entendida como mais um engodo.
A França está disposta a realizar uma intervenção militar no país. Quais são os incentivos para isso?
Y: A França, claramente, não está disposta a realizar isso sozinha. Mas o governo francês tem sido enfático em “apontar o dedo” para o regime sírio e reiterar a inadmissibilidade dos ataques químicos. Ainda há muitas incógnitas sobre as motivações ou interesses da França, que parece ser o país que mais está apoiando a posição de Obama no momento.
R: Existe divergência junto aos parlamentares e mesmo na população. Os franceses até demonstram ser mais suscetíveis à intervenção, desde que seja a partir de um aval da ONU. Hollande poderia ampliar seu prestígio no país e governar com mais tranquilidade. Há também o interesse financeiro, pois a derrubada de Assad deixará um espólio que será gerido pelos vencedores e a França tem interesse no gás sírio. Ainda, é importante lembrar que a Síria ficou sob o governo da França durante o período de Mandato, no início do século XX, e gradualmente foi perdendo sua capacidade de atuação no Oriente Médio conforme reduziu sua influência na região. Nesse sentido, uma suposta vitória dos aliados franceses e estadunidenses poderia trazer prestígio para Hollande e a França. Por essas razões a França endossa a atuação conjunta com os EUA, no entanto, já não o faz com a mesma veemência inicial, haja vista os EUA também terem noção do risco de enfrentar indiretamente Rússia, China e Irã.
Qual é a postura da China e da Rússia, principais aliados da Síria, sobre essa intervenção?
Y: Ambos os países são naturalmente propensos a bloquear qualquer ação internacional que resulte em uma quebra do princípio da soberania e da não intervenção – ambos têm seus próprios problemas com movimentos irredentistas/separacionistas/étnicos, e a desaprovação internacional que resulta das violações de direitos humanos (no caso desses movimentos e também num âmbito geral). Adicione-se a isso o fato que a Síria é um “Estado cliente” e aliado da Rússia, que a usa como uma carta para sua política internacional (no Oriente Médio e além). Já o Irã vê a Síria como um aliado fundamental num contexto geopolítico em que o mundo árabe sunita se lhe opõe ferozmente.
R: Ambos são completamente contrários à ação militar contra a Síria que vise à derrubada de Assad do poder e, caso venha a ocorrer, sem dúvida estes dois países, além de o Irã, poderão dar todo o suporte militar para as forças de Assad conseguir enfrentar os EUA. O grande problema é que esta opção transforma a guerra num cenário com alto poder destrutivo, seja pela utilização de mísseis por ambos os lados, ou pela maior capacidade de extermínio com o uso de armas mais poderosas por parte dos “Rebeldes” e das Forças Armadas sírias. E, como EUA, inicialmente, não tem interesse em utilizar tropas terrestres, o risco de que a destruição leve a massacres de civis é notória, seja de que lado for. Como China e Rússia não têm interesse em uma mudança da geopolítica local, vão levar esse confronto ao limite mais alto, talvez transformando a Síria em um espaço que todos os atores se enfrentassem através de outros grupos envolvidos diretamente na guerra.
Quais consequências os conflitos na Síria geraram ao país e à região?
Y: Uma das maiores consequências está no imenso fluxo de refugiados sírios no Oriente Médio. Se o número de mortos desde o início do conflito supera os 100.000, os refugiados já são mais de um milhão — mais de 700.000 só no Líbano, um país com menos de 5 milhões de habitantes. É uma situação insustentável. E o fluxo continua a aumentar. Por outro lado, é um conflito sem resolução em vista, que pode se arrastar por anos.

R: Se a guerra for deflagrada sem o aval de Rússia e China, ainda poderíamos ver a expansão dos conflitos para outros países da região. A Turquia, aliada estadunidense, poderia ser um alvo dos partidários de Assad, o que desestabilizaria o governo de Erdogan e o obrigaria ao revide. Também, devido ao apoio do Hezbollah a Assad, não seria muito complicado fazer com que a tensão com Israel fosse revitalizada e o conflito adentrasse no Líbano. Ainda há a possibilidade de o Hamas, aproveitando um suposto foco de ação de Israel no norte de sua fronteira com o Hezbollah, retome suas ações contra israelense. E, ampliando ainda mais este conflito, o Estado de Israel poderia aproveitar a oportunidade para lançar mísseis contra usinas de energia nuclear iranianas – como fez com o Iraque – para evitar o desenvolvimento de armas atômicas. Automaticamente o Irã iria revidar e a polarização do mundo muçulmano contra o inimigo comum israelense poderia criar alianças pragmáticas.